sexta-feira, 28 de março de 2014

História da matemática pate II

PRELÚDIO À MATEMÁTICA MODERNA 

       A Europa ocidental, em 1575, tinha recuperado a maior parte das principais obras da antiguidade. A álgebra árabe tinha sido aperfeiçoada, tanto pela resolução das cúbicas e quárticas quanto pelo uso parcial de simbolismo e a trigonometria se tornara uma disciplina independente. A época estava parcialmente propícia para rápidos progressos pois tinha como base as contribuições antigas, medievais e renascentistas. A transição da Renascença para o mundo moderno também se fez através de um grande número de figuras intermediárias, das quais consideraremos algumas das mais importantes: dois desses homens, Galileu Galilei (1564 – 1642) e Bonaventura Cavalieri (1598 – 1647), vieram da Itália, mas vários outros, como Henry Briggs. Thomas Harriot, e William Oughtred, eram ingleses. Dois deles, Simon Stevin e Albert Girard, eram flamengos; outros vieram de vários países – John Napier da Escócia, Jobst Bürgi da Suíça, e Johann Kepler da Alemanha. A maior parte da Europa Ocidental participava agora do desenvolvimento da matemática, mas a figura central e mais magnífica na transição foi um francês, Francois Viète (1540 – 1603) ou em latim Franciscus Vieta. Viète não era matemático por vocação já que a juventude ele estudou e praticou direito, tornando-se membro do parlamento da Bretanha. Só o tempo de lazer de Viète era dedicado à matemática, no entanto fez contribuições à aritmética, álgebra, trigonometria e geometria.
       John Napier (ou Neper), como Viète, não era matemático profissional. Era um proprietário escocês, Barão de Murchiston, que administrava suas grandes propriedades e escrevia sobre vários assuntos. Ele só se interessava por certos aspectos da matemática, particularmente os que de referiam a computação e trigonometria. As “barras de Napier” eram bastões em que itens de tabuadas de multiplicação eram esculpidos numa forma que se prestava ao uso prático; as “analogias de Napier” e a “regra de Napier das partes circulares” eram regras mnemônicas ligadas à trigonometria esférica. Aparentemente foi mencionado o maravilhoso artifício da protaférese muito usado em computações no observatório. A informação sobre isto encorajou Napier a redobrar seus esforços e finalmente a publicar em 1614 o Mirifici logarithmorum canonis descriptio (Uma descrição da maravilhosa regra dos logaritmos). 

O TEMPO DE FERMAT E DESCARTES

        Em 1647, ano em que Cavalieri morreu foi também o da morte de outro discípulo de Galileu, o jovem Evangelista Torricelli (1608 – 1647). Em muitos aspectos Torricelli representava a nova geração de matemáticos que estava tranalhando rapidamente sobre as fundações infinitesimais que Cavalieri tinha apenas esboçado. As principais figuras foram René Descartes (1596 – 1650) e Pierre de Fermat (1601 – 1665), mas três outros franceses contemporâneos também fizeram contribuições importantes, além de Torricelli – Gilles Persone de Roberval, Girard Desargues e Blaise Pascal (1623 – 1662). Não existiam ainda organizações de matemáticos profissionais, mas na Itália, França e Inglaterra havia grupos científicos mais ou menos organizados: a Accademia dei Lincei (a que Galileu pertencia) e a Accademia Del Cimento, na Itália; o Cabinet Du Puy, na França; e o Invisible College, na Inglaterra. René Descartes pertencia a uma boa família e estudou no colégio jesuíta em La Flèche, onde os livros didáticos de Clavius eram fundamentais. Mais tarde, graduou-se em Poitiers, onde estudara direito sem muito entusiasmo.
       Na cidade de Paris, ele conheceu Mersenne e um círculo de cientistas que discutiam livremente críticas ao pensamento peripatético. De tais estímulos, Descartes progrediu para tornar-se o “pai da filosofia moderna”, apresentar uma visão científica transformada do mundo e estabelecer um novo ramo da matemática (Discours de la méthode pour bien conduire as raison ET chercher la vérité dans lês sciences – Discurso sobre o método para raciocinar bem e procurar a verdade nas ciências). O universo todo, ele postulou, era feito de matéria em movimento incessante em vórtices, e todos os fenômenos deveriam ser explicados mecanicamente em termos de forças exercidas pela matéria contígua. Um grande rival em capacidade matemática de Descartes era Fermat, mas este não era um matemático profissional. Fermat estudou direito em Toulouse, onde serviu no parlamento local, primeiro como advogado, mais tarde como conselheiro. Isso significava que era um homem ocupado. No entanto, parece ter tido tempo para dedicar à literatura clássica, inclusive ciência e matemática, por prazer. O resultado foi que em 1629 ele começou a fazer descobertas de importância capital em matemática. Nesse ano, ele começou a praticar um dos esportes favoritos do tempo – a “restauração” de obras perdidas da antiguidade com base em informação encontrada nos tratados clássicos preservados. Fermat se propôs a reconstruir o Lugares Planos de Apolônio, baseado em alusões contidas na Coleção de Papus. Um subproduto desse esforço foi a descoberta, não mais tarde que 1636, do princípio fundamental da geometria analítica. As contribuições de Fermat à geometria analítica e à análise infinitesimal foram apenas dois dos aspectos de sua obra – e provavelmente não seus tópicos favoritos. Fermat usou seu método para provar que nenhum cubo é soma de dois cubos – isto é, que não existem inteiros positivos x, y, z tais que . Indo além, Fermat enunciou a proposição geral que para n um número inteiro maior que dois não há valores inteiros positivos x, y, z tais que . Escreveu, na margem de seu exemplar do Diofante de Bachet, que tinha uma prova verdadeiramente maravilhosa desse célebre teorema, que a partir daí se tornou conhecido como “último” ou “grande” teorema de Fermat. Fermat, infelizmente, não deu prova, descrevendo-a apenas como tal que “essa margem é demasiado estreita para contê-la”. Desargues foi profeta de geometria projetiva, mas não foi reconhecido em seu tempo, em grande parte porque seu discípulo mais promissor, Blaise Pascal, abandonou a matemática pela teologia. Aos quatorze anos Blaise, com seu pai, participou das reuniões informais da Academia de Mersenne em Paris. Aí ele veio a conhecer as ideias de Desargues; dois anos depois, em 1640, o jovem Pascal, publicou um Essay pour les coniques. Consistia de uma só página impressa – mas uma das mais importantes da história. Continha a proposição, descrita pelo autor como mysterium hexagrammicum, que a partir daí foi chamada teorema de Pascal. Este diz, em essência, que os lados opostos de um hexágono inscrito numa cônica se cortam em três pontos colineares. Pascal não enunciou o teorema assim, pois não é verdadeiro a não ser que, como no caso de um hexágono regular inscrito num círculo, se recorra aos pontos e retas ideais da geometria projetiva. 
 
UM PERÍODO DE TRANSIÇÃO

        Com a morte de Desargues em 1661, de Pascal em 1662 e de Fermat em 1665, encerrou-se um grande período da matemática francesa. Então, o matemático de maior relevância, então, na França passa a ser Philippe de Lahire (1640 - 1718), um discípulo de Desargues e, como seu mestre, um arquiteto. A geometria pura evidentemente o atraía, e sua primeira obra sobre cônicas em 1673 era sintética, mas ele não rompeu com a onda analítica do futuro. Em 1685 Lahire voltou a métodos sintéticos num livro com o simples título Sectiones conicae. Esse poderia ser descrito como uma versão por Lahire de As cônicas de Apolônio traduzida para o latim a partir da linguagem francesa de Desargues. As propriedades harmônicas do quadrângulo completo, pólos e polares, tangentes e normais, e diâmetros conjugados estão entre os tópicos familiares tratados de um ponto de vista projetivo. 

NEWTON E LEIBNIZ 

       Isaac Newton, o sucessor de Barrow, nasceu prematuramente no dia de Natal de 1642, o ano da morte de Galileu. O menino foi educado pela avó enquanto frequentava a escola da vizinhança. Um tio do lado materno, que se formara em Cambridge, percebeu no sobrinho um talento matemático incomum e convenceu a mãe de Isaac a matriculá-lo em Cambridge. O jovem Newton então ingressou no Trinity College em 1661, provavelmente sem pensar em vir a ser um matemático, pois não estudou particularmente o assunto. A química pareceu a princípio ser seu principal interesse, e ele conservou um forte interesse por essa disciplina durante a sua vida. Porém no início de seu primeiro ano de estudos ele comprou e estudou um exemplar de Euclides, e logo depois leu a Clavis de Oughtred, a Geometria a Renato Descartes de Schooten, a Óptica de Kepler, as obras de Viète, e o que talvez o que tenha sido o mais importante de todos para ele, Arithmetica infinitorum de Wallis. Também veio a conhecer obras de Galileu, Fermat, Huygens e outros. Em 1664 Newton parece ter atingido as fronteiras do conhecimento matemático e estava pronto para fazer suas contribuições. Suas primeiras descobertas, já de 1665, resultaram do conhecimento que obteve em exprimir funções em termos de séries infinitas ― o mesmo que Gregory estava fazendo na Itália pela mesma época, embora dificilmente Newton pudesse saber disso. O período que se estende de 1665 a 1666, logo depois de Newton ter obtido seu grau A. B., o Trinity College foi fechado por causa da peste, e Newton se retirou deste cenário para sua casa. O resultado foi o mais produtivo período de descoberta matemática jamais referido, pois foi durante esses meses, Newton mais tarde afirmou, que fizera quatro de suas principais descobertas: 1) o teorema binomial, 2) o cálculo, 3) a lei da gravitação e 4) a natureza das cores.
       Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716) nasceu em Leipzig. Lá, aos quinze anos entrou na universidade e aos dezessete obteve o grau de bacharel. Estudou teologia, direito, filosofia e matemática na universidade e é, muitas vezes, considerado o último sábio a conseguir o conhecimento universal. Aos vinte, ele estava preparado para o grau de doutor em direito, mas esse lhe foi recusado por causa de sua pouca idade. Deixou então Leipzig e obteve seu doutorado na Universidade de Altdorf em Nüremberg, onde lhe foi oferecido um posto de professor de direito, que ele recusou. Entrou no serviço diplomático, primeiro para o eleitor de Mainz, depois para a família de Brunswick, e finalmente para os hanoverianos, a quem serviu durante quarenta anos. De seus estudos sobre séries infinitas e o triângulo harmônico Leibniz se voltou para a leitura das obras de Pascal sobre a ciclóide e outros aspectos da análise infinitesimal. Em particular, foi ao ler a carta de Amos Dettonville sobre Traité des sinus du quart de cercle que Leibniz diz ter uma luz jorrado sobre ele. Percebeu então, em 1673, que a determinação da tangente a uma curva dependia da razão das diferenças das ordenadas e das abscissas, quando essas se tornavam infinitamente pequenas, e que as quadraturas dependiam da soma dos retângulos infinitamente finos que formam a área. O primeiro tratado de Newton a ser publicado foi Principia, mas foi o último na ordem de composição. A fama lhe tinha vindo relativamente cedo, pois fora eleito para a Royal Society em 1672, quatro anos antes de ter construído seu telescópio refletor (a idéia desse tinha ocorrido também a Gregory antes ainda). Os Principia obtiveram aprovação entusiástica, e em 1689 Newton foi eleito para representar Cambridge no Parlamento Britânico. A teologia e a cronologia também lhe chamaram a atenção. Parece que era um cripto-Unitário, embora externamente professando a visão religiosa Trinitária do tempo. Em seus últimos anos as honrarias choveram sobre Newton. 

A ERA BERNOULLI 

       As descobertas de um grande matemático, como Newton, não se tornam automaticamente parte da tradição matemática. Podem ficar perdidas para o mundo a menos que outros cientistas as compreendam e se interessem suficientemente para encará-las de vários pontos de vista, esclarecê-las e generalizá-las, indicando suas implicações. Newton, infelizmente, era demasiadamente sensível e não se comunicava livremente, por isso o método dos fluxos não era bem conhecido fora da Inglaterra. Leibniz, por outro lado, encontrou discípulos dedicados que estavam ansiosos por aprender o cálculo diferencial e integral e transmitir este conhecimento a outros. Na primeira linha desses entusiastas, estavam dois irmãos suíços, Jacques Bernoulli (1654 – 1705) e Jean Bernoulli (1667 – 1748), frequentemente conhecidos pela forma anglicizada de seus nomes, James e John (ou pelos equivalentes alemães, Jakob e Johann). O pai dos famosos irmãos Bernoulli, Nicolaus (1623 – 1708) tinha planos bem definidos para o futuro de seus filhos, e tinha posto obstáculos a tornarem-se matemáticos. Jacques, o mais velho, tinha sido destinado a ser ministro religioso, e Jean deveria tornar-se comerciante ou médico.
       O mais moço, na verdade escreveu sua dissertação para doutorado em 1690 sobre efervescência e fermentação. Mas no ano seguinte ficou tão interessado pelo Cálculo que durante 1691 – 1692 ele escreveu dois pequenos livros didáticos sobre cálculo diferencial e integral, embora nenhum dos dois fosse publicado senão muito mais tarde. Enquanto se encontrava em Paris em 1692 ele ensinou a um jovem marquês francês, G. F. A. de L’ Hospital (1661 – 1704) a nova disciplina leibziana; e Jean Bernoulli assinou um pacto pelo qual, a troco de um salário regular, ele concordava em enviar a L’Hospital suas descobertas matemáticas, para serem usadas como o marquês o desejasse. O resultado foi que uma das importantes contribuições de Bernoulli, datada em 1694. A partir daí passou a ser conhecida como regra de L’ Hospital sobre formas indeterminadas.

 A IDADE DE EULER

        Na Antiguidade, a Grécia sobrepujava todos os outros povos em desenvolvimento matemático: durante boa parte da Idade Média o nível da matemática no mundo árabe era mais alto que no resto. Do Renascimento ao século dezoito o centro da atividade matemática se deslocou repetidamente ― Da Alemanha para a Itália para a França para a Holanda para a Inglaterra. Se as perseguições religiosas não tivessem obrigado os Bernoulli a deixar Antuérpia, a Bélgica poderia ter tido sua vez, mas a família emigrou para Basiléia e, em conseqüência disso, a Suíça foi a terra natal de muitas das principais figuras da matemática do início do século dezoito. O pai de Euler era um ministro religioso que, como o pai de Jacques Bernoulli, esperava que seu filho seguisse o seu caminho. Porém o jovem estudou com Jean Bernoulli e se associou com seus filhos, Nicolaus e Daniel, e por meio deles descobriu sua vocação. O pai de Leonhard Euler também tinha conhecimentos de matemática, tendo sido aluno de Jacques Bernoulli, e ajudou a instruir seu filho nos rudimentos do assunto, apesar de sua esperança era a de que Leonhard seguiria a carreira teológica. De qualquer modo o jovem recebeu instrução ampla, pois ao estudo da matemática somou teologia, medicina, astronomia, física e línguas orientais.
       Euler cedo conquistou reputação internacional; já antes de sair de Basiléia tinha recebido menção honrosa da Acadèmie de Paris por um ensaio de mastros de navio. Mais tarde ele apresentou ensaios em concursos organizados pela Acadèmie, e doze vezes ganhou o cobiçado prêmio bienal. Os tópicos variavam amplamente e, em uma ocasião, em 1724, Euler partilhou com Maclaurin e Daniel Bernoulli um prêmio para ensaio sobre marés. Euler nunca sofreu de falso orgulho e escreveu obras em todos os níveis, inclusive material para livros didáticos para uso nas escolas russas. Geralmente escrevia em latim, algumas vezes em francês, embora o alemão fosse sua língua nativa. D’Alembert partilhava com Euler o interesse por muitos aspectos da matemática, especialmente em análise e matemática aplicada, mas numa direção Euler deu grandes contribuições sem rivalidades da parte de D’Alembert. Isso foi na teoria dos números, assunto que tem atraído fortemente muitos dos maiores matemáticos, tais com Fermat e Euler, mas não interessou a outros, inclusive Newton e d’Alembert. Euler não publicou tratado sobre o assunto, mas escreveu cartas e artigos sobre vários aspectos da teoria dos números. 

 A IDADE DAS REVOLUÇÕES 

       O século dezoito representou um grande desafio: como poderia qualquer período que seguisse o “Século do Gênio” e precedesse a “Idade Áurea” da matemática ser considerado outra coisa senão um interlúdio? A geometria analítica e o cálculo foram inventados no século dezessete,já o surgimento do rigor matemático e o florescimento da geometria estão associados ao dezenove. Existem histórias da matemática dos séculos dezesseis e dezessete e para o século dezenove; mas não existe uma comparável para o século dezoito, nem é para o século dezoito que olhamos quando queremos observar as tendências significativas na matemática.
       Para os americanos a data 1776 foi decisiva; na França o ano de 1789 foi crucial. E Era da Revolução não se confinou à política. A Revolução Industrial mudou toda a estrutura social do Ocidente, e a revolução termótica dos mesmos anos lançou os fundamentos da moderna química. Toda era se inclina a pensar em si mesma como sendo de revolução ― um período de tremendas modificações. Quase toda essa era de rápidas mudanças foi precedida por um longo período em que foram feitos os preparativos para a revolução, às vezes, até mesmo inconscientemente. Entre os arautos da Revolução Francesa estavam Voltaire, Rousseau e d’Alembert e Diderot ― nenhum dos quais viveu bastante para ver a queda da Bastilha (Voltaire e Rousseau morreram em 1778, d’Alembert em 1783 e Diderot um ano depois) ― e seu colega Condorcet, foi vítima do holocausto que ajudou a gerar. Na matemática seis homens iriam indicar os novos caminhos ― Monge, Lagrange, Laplace, Legendre, Carnot e Condorcet. Laplace, de todos os membros do sexteto, é o que chega mais perto de ser um matemático aplicado, mas, mesmo no caso dele, devemos interpretar a designação em sentido muito lato. Afinal, quão “prática” era naqueles dias a teoria das probabilidades ou a mecânica celeste? Podemos concluir com segurança que, apesar de terem estudado em escolas predominantemente técnicas, as grandes figuras da matemática logo antes da Revolução tinham mostrado notável “pureza” de interesses. 

O TEMPO DE GAUSS E CAUCHY 

       Carl Friedrich Gauss (1777 – 1855), diferentemente dos homens que discutimos no capítulo precedente, foi menino prodígio. Seu pai era um artesão de Brunswich, correto, mas autocrático, que morreu pouco antes de Gauss completar trinta e um anos. Sua mãe viveu mais trinta e um anos e morou com Carl Friedrich e sua família a maior parte desse tempo. Gauss, em criança, se divertia com cálculos matemáticos: uma anedota referente a seus começos na escola é característica. Um dia, para ocupar a classe, o professor mandou que os alunos somassem todos os números de um a cem, com instruções para que cada um colocasse sua ardósia sobre a mesa logo que completasse a tarefa. Quase imediatamente, Gauss colocou sua ardósia sobre a mesa dizendo. “Aí está!” Seus mestres logo levaram o talento de Gauss à atenção do Duque de Brunswick que apoiou seus estudos, primeiro para que pudesse cursar o colégio local, depois na Universidade em Göttingen, onde se matriculou em outubro de 1795. Ainda estudante em Göttingen, Gauss começou a trabalhar numa importante publicação em teoria dos números. Dois anos depois de sua dissertação de doutoramento, as Disquisitiones arithmeticae constituem um dos grandes clássicos da literatura matemática.
       Foi a astronomia e não a teoria dos números que trouxe fama imediata para o autor de vinte e quatro anos das Disquisitiones arithmeticae. Em 10 de janeiro de 1801, Giuseppe Piazzi (1746 – 1826), diretor do observatório de Palermo, tinha descoberto o novo planeta menor (asteróide) Ceres; mas poucas semanas depois o pequeno corpo celeste se perdeu das vistas. Gauss percebeu que tinha uma habilidade computacional inusitada, bem como a vantagem a mais do método dos quadrados mínimos. Enfrentou o desafio de calcular, a partir das poucas observações registradas do planeta, a órbita em que se movia. O resultado foi um estrondoso sucesso, o planeta sendo redescoberto no fim do ano quase na posição indicada por seus cálculos. O cálculo de órbita de Gauss atraiu a atenção dos astrônomos internacionalmente e logo o levou à proeminência entre cientistas matemáticos alemães, a maioria dos quais se dedicava a atividades astronômicas e geodésicas nessa época. A estrela da década de 1820 – 30, porém, foi um homem nascido no ano da revolução, quando Fourier tinha 21 anos. Augustin-Louis Cauchy (1789 – 1857) filho de pais instruídos, estudou na École Polytechnique, em que ingressou em 1805 e na Écola des Ponts et Chaussées, em que se matriculou em 1807. Trabalhou como engenheiro até 1813, quando voltou a Paris. Já tinha então resolvido vários problemas de interesse matemático. Estes incluíam a determinação de um poliedro convexo por suas faces, a expressão de um número como soma de números n-gonais, e um estudo de determinantes. 

GEOMETRIA 

       Dentre todas as vertentes da matemática, a geometria tem sido a mais sujeito a mudanças de gosto, de uma época para outra. Na Grécia clássica, subiu ao zênite, para cair ao nadir ao tempo da queda de Roma. Tinha recuperado parte do terreno perdido na Arábia e na Europa da Renascença. No século dezessete esteve no limiar de uma nova era, mas novamente foi esquecida, ao menos pelos pesquisadores em matemática, por mais dois séculos, permanecendo à sombra dos ramos prolíficos da nova análise. A Inglaterra, especialmente durante o fim do século dezoito, travara uma batalha perdida para devolver a Os elementos de Euclides, sua posição outrora gloriosa, mas pouco fizera para desenvolver a pesquisa no assunto. Através dos esforços de Monge e Carnot houve alguns sintomas de reavivamento da geometria pura durante o período da Revolução Francesa, mas a redescoberta quase explosiva da geometria como um ramo vivo da matemática veio principalmente no início do século dezenove. 

ANÁLISE 

       Newton e Leibniz tinham entendido que a análise, o estudo de processos infinitos, tratava de grandezas contínuas, tais como comprimentos, áreas, velocidades e acelerações; ao passo que a teoria dos números claramente tem como seu domínio o conjunto discreto dos números naturais. No entanto, vimos que Bolzano tentou dar provas puramente aritméticas de proposições, tais como o teorema da locação na álgebra elementar, que pareciam depender de propriedades de funções contínuas; e Plücker tinha aritmetizado completamente a geometria analítica. O século dezenove foi de fato um período de correlação na matemática. A interpretação geométrica da análise e da álgebra foi um aspecto desta tendência; já a introdução de técnicas analíticas na teoria dos números foi outra. Pelo fim do século a corrente, mais forte era a da aritmetização, pois afetava a álgebra, a geometria e a análise. Dois jovens em Göttingen seriam profundamente influenciados por Dirichlet, embora diferissem grandemente em personalidade e orientação matemática. Um foi Richard Dedekind (1831 – 1916). O outro Bernhard Riemann já tivera a influência de Dirichlet e Jacobi alguns anos antes, quando passou alguns semestres como estudante em Berlim. Quando Dirichlet morreu inesperadamente em 1859, e foi Riemann que lhe sucedeu. 

 ÁLGEBRA 

       A álgebra do século dezenove tem duas características que parecem criar em entre si uma contraposição. Uma é uma tendência crescente de generalizar e abstrair; a outra é uma concentração em expressões sujeitas a restrições mais cuidadosamente definidas que as consideradas em séculos precedentes. Esta aparente contraposição se relaciona diretamente com a mudança na espécie de questões que os algebristas do século dezenove levantaram e desejaram responder. O desenvolvimento de conceitos algébricos na Inglaterra da primeira metade do século dezenove diferia fundamentalmente da do Continente. Abel, Galois, e outros matemáticos do Continente desenvolveram novos conceitos, enquanto trabalhavam em problemas não resolvidos e adaptando-os por fusão, generalização ou transferência direta aos métodos existentes bem-sucedidos. Porém, desde o século dezessete, os matemáticos vinham observando que nem a análise superior nem a álgebra tinham atingido o nível de rigor da geometria. Enquanto, no continente, o sucesso em desenvolver técnicas obscurecia tais preocupações. Os matemáticos ingleses permaneciam penosamente cônscios de sua incapacidade de responder aos ataques do Bispo de Berkeley tanto à análise superior quanto à falta de princípios na álgebra.
       Em 1882 apareceram dois trabalhos que, vistos com conhecimentos posteriores, antecipam importantes tendências do século vinte. Um foi um profundo estudo de Leopold Kronecker sobre a teoria aritmética das quantidades algébricas. Este difícil artigo teve grande impacto sobre os algebristas e especialistas em teoria dos números na virada do século. O outro trabalho foi um artigo conjunto de Dedekind e Weber sobre a teoria das quantidades algébricas. Dedekind e Weber usaram a teoria algébrica (desenvolvida pelo primeiro no seu tratamento de números algébricos) para separar o trabalho de Riemann sobre teoria das funções de seu suporte geométrico. Isto lhes permitiu definir partes de uma superfície de Riemann algebricamente, de tal modo que podia ser considerada invariante com relação a um corpo de funções algébricas. O tratamento puramente algébrico abriu uma estrada totalmente nova para a geometria algébrica pós-Riemann, de fato, revelou-se ser um dos mais promissores caminhos seguidos por pesquisadores de século vinte.
       A matemática tem sido frequentemente comparada a uma árvore, pois cresce numa estrutura acima da terra que se espalha e ramifica sempre mais, ao passo que ao mesmo tempo suas raízes cada vez mais se aprofundam e alargam, em busca de fundamentos sólidos. Esse duplo crescimento foi especialmente característico do desenvolvimento da análise no século dezenove, pois a rápida expansão da teoria das funções fora acompanhada pela rigorosa aritmetização do campo, desde Bolzano até Weierstrass. Na álgebra, o século dezenove foi o mais notável por desenvolvimentos novos que por atenção aos fundamentos. Os esforços de Peacock para construir uma base sólida eram fracos, se comparados com a precisão de Bolzano na análise. Durante os últimos anos do século, porém, houve vários esforços para fornecer raízes mais sólidas à álgebra. O sistema dos números complexos é definido em termos dos números reais, que são exibidos como classes de números racionais, que por sua vez são pares ordenados de inteiros; mas o que são afinal os inteiros? Todos pensam saber, por exemplo, o que é o número três ― até tentarem defini-lo ― e a ideia da igualdade de inteiros é tomada como óbvia. 

 POINCARÉ E HILBERT 

       Ao fim do século dezenove era claro que não só o conteúdo da matemática mas seu enquadramento institucional e interpessoal tinham mudado radicalmente, desde o começo do século. Além da multiplicação de períodos e departamentos acadêmicos de matemática durante o século, e da tradicional comunicação individual entre matemáticos de diferentes países, a troca de ideias matemáticas foi grandemente estimulada pelo estabelecimento de sociedades matemáticas nacionais e encontros internacionais de matemáticos. A London Mathematical Society, fundada em 1865, e a Société Mathématique de France, estabelecida em 1872, abriram o caminho. Na década de 1880 – 90 vieram a Edinburgh Mathematical Society que logo foi rebatizada American Mathematical Society na Escócia, o Circolo Matematico di Palermo na Itália e a New York Mathematical Society que logo foi rebatizada American Mathematical Society. Seguiu-se a Deustche Mathematiker-Vereinigung em 1890. Cada um destes grupos tinha reuniões regulares e mantinha publicações periódicas.
       O aumento do número de indivíduos ocupados com a pesquisa e ensino de matemática sugeriria que já não se pode destacar umas poucas figuras dominantes para representar o estado da arte num dado período, e que nenhuma pessoa poderia achar um caminho livre através da grande e emaranhada paisagem matemática. De fato, quando Gauss morreu em 1855 pensava-se em geral que nunca mais existiria um universalista em matemática ― alguém que estivesse igualmente à vontade em todos os ramos, puros e aplicados. Poincaré é, de fato, o único nome que podemos citar capaz de ter provado que essa ideia estava errada, pois ele considerou toda a matemática como seu domínio. O caso de Poincaré mostra que para ser um grande matemático não é necessário ter facilidade com números, pois há outros aspectos mais relevantes do talento matemático inato. Poincaré nasceu em Nancy, cidade que iria abrigar bom número de grandes matemáticos no século vinte. A família conquistou proeminência de várias maneiras; seu primo Raymond foi presidente da França durante a Primeira Grande Guerra. A tese de doutoramento de Poincaré fora sobre equações diferenciais (não métodos de resolução, mas teoremas de existência), que levaram a uma de suas mais célebres contribuições à matemática: as propriedades das funções automorfas. Na verdade, ele foi virtualmente o fundador da teoria dessas funções. 

 ASPECTOS DO SÉCULO VINTE 

       A matemática do século vinte foi, essencialmente, caracterizada por tendências que já eram perceptíveis no fim do século dezenove. A ênfase nas estruturas subjacentes comuns, que indicam correspondências entre áreas da matemática, que tinham sido consideradas não relacionadas até então, é uma teoria que pode configurar essa tendência. Também se inclui aí a interação crescente entre matemáticos em diferentes partes do mundo. Apesar de grandes diferenças políticas e econômicas, a maioria dos matemáticos do século vinte teve melhor percepção do trabalho de seus colegas em outros continentes de que seus precursores tiveram de resultados obtidos por alguém numa província vizinha. Este século não é menos imune a modas e ao domínio de certas escolas matemáticas que períodos anteriores. Influem o estado da pesquisa numa dada área bem como a força de alguns indivíduos, mas há também fatores externos como o desenvolvimento de campos associados, como a física, estatística e ciência da computação, ou pressões econômicas e sociais que usualmente servem para apoiar aplicações. O alto grau de abstração formal que se introduziu na análise, geometria e topologia no começo do século vinte não podia deixar de invadir a álgebra. O resultado foi um novo tipo de álgebra, às vezes, inadequadamente descrito como “álgebra moderna”, produto em grande parte do segundo terço do século. É de fato verdade que um processo gradual de generalização na álgebra tinha sido desenvolvido no século dezenove, mas no século vinte o grau de abstração deu uma virada brusca para cima. Entre seus aspectos mais notáveis, a matemática contemporânea apresenta um ressurgimento da geometria, ainda que em vestes modernas, e progresso na decisão de numerosos problemas famosos, indo da conjetura de Poincaré (para dimensão 4) à classificação de grupos finitos.
       Ao aproximar-se o fim do século, as atitudes com relação ao futuro da matemática não exibem nem o pessimismo dos pensadores do fim do século dezoito (diziam que a maior parte dos grandes problemas estava resolvida), nem o otimismo de Hilbert ao fim do século dezenove. Dizia que todos os problemas podiam ser resolvidos. A história parece apoiar a reflexão de André Weil, que emergiu de um período ainda mais sombrio: “O grande matemático do futuro, como o do passado, fugirá do caminho muito palmilhado. É por rapprochements inesperados, a que nossa imaginação não saberia como chegar, que ele resolverá, dando-lhes outra forma, os grandes problemas que lhe legaremos”. Olhando para o futuro, Weil confia ainda em outra coisa: “No futuro, como no passado, as grandes ideias devem ser ideias simplificadoras”.

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