PRELÚDIO À MATEMÁTICA MODERNA
A Europa ocidental, em 1575, tinha recuperado a
maior parte das principais obras da antiguidade. A álgebra árabe tinha sido
aperfeiçoada, tanto pela resolução das cúbicas e quárticas quanto pelo uso
parcial de simbolismo e a trigonometria se tornara uma disciplina independente.
A época estava parcialmente propícia para rápidos progressos pois tinha como
base as contribuições antigas, medievais e renascentistas. A transição da
Renascença para o mundo moderno também se fez através de um grande número de
figuras intermediárias, das quais consideraremos algumas das mais importantes:
dois desses homens, Galileu Galilei (1564 – 1642) e Bonaventura Cavalieri (1598
– 1647), vieram da Itália, mas vários outros, como Henry Briggs. Thomas
Harriot, e William Oughtred, eram ingleses. Dois deles, Simon Stevin e Albert
Girard, eram flamengos; outros vieram de vários países – John Napier da
Escócia, Jobst Bürgi da Suíça, e Johann Kepler da Alemanha. A maior parte da
Europa Ocidental participava agora do desenvolvimento da matemática, mas a
figura central e mais magnífica na transição foi um francês, Francois Viète (1540
– 1603) ou em latim Franciscus Vieta. Viète não era matemático por vocação já
que a juventude ele estudou e praticou direito, tornando-se membro do
parlamento da Bretanha. Só o tempo de lazer de Viète era dedicado à matemática,
no entanto fez contribuições à aritmética, álgebra, trigonometria e geometria.
John Napier (ou Neper), como Viète, não era
matemático profissional. Era um proprietário escocês, Barão de Murchiston, que
administrava suas grandes propriedades e escrevia sobre vários assuntos. Ele só
se interessava por certos aspectos da matemática, particularmente os que de
referiam a computação e trigonometria. As “barras de Napier” eram bastões em
que itens de tabuadas de multiplicação eram esculpidos numa forma que se
prestava ao uso prático; as “analogias de Napier” e a “regra de Napier das
partes circulares” eram regras mnemônicas ligadas à trigonometria esférica.
Aparentemente foi mencionado o maravilhoso artifício da protaférese muito usado
em computações no observatório. A informação sobre isto encorajou Napier a
redobrar seus esforços e finalmente a publicar em 1614 o Mirifici
logarithmorum canonis descriptio (Uma descrição da maravilhosa regra dos
logaritmos).
O TEMPO DE FERMAT E DESCARTES
Em
1647, ano em que Cavalieri morreu foi também o da morte de outro discípulo de
Galileu, o jovem Evangelista Torricelli (1608 – 1647). Em muitos aspectos
Torricelli representava a nova geração de matemáticos que estava tranalhando
rapidamente sobre as fundações infinitesimais que Cavalieri tinha apenas esboçado.
As principais figuras foram René Descartes (1596 – 1650) e Pierre de Fermat
(1601 – 1665), mas três outros franceses contemporâneos também fizeram
contribuições importantes, além de Torricelli – Gilles Persone de Roberval,
Girard Desargues e Blaise Pascal (1623 – 1662). Não existiam ainda organizações
de matemáticos profissionais, mas na Itália, França e Inglaterra havia grupos
científicos mais ou menos organizados: a Accademia dei Lincei (a que Galileu
pertencia) e a Accademia Del Cimento, na Itália; o Cabinet Du Puy, na França; e
o Invisible College, na Inglaterra. René Descartes pertencia a uma boa família
e estudou no colégio jesuíta em La Flèche, onde os livros didáticos de Clavius
eram fundamentais. Mais tarde, graduou-se em Poitiers, onde estudara direito
sem muito entusiasmo.
Na cidade de Paris, ele conheceu Mersenne e um
círculo de cientistas que discutiam livremente críticas ao pensamento
peripatético. De tais estímulos, Descartes progrediu para tornar-se o “pai da
filosofia moderna”, apresentar uma visão científica transformada do mundo e
estabelecer um novo ramo da matemática (Discours de la méthode pour bien
conduire as raison ET chercher la vérité dans lês sciences – Discurso sobre o
método para raciocinar bem e procurar a verdade nas ciências). O universo todo,
ele postulou, era feito de matéria em movimento incessante em vórtices, e todos
os fenômenos deveriam ser explicados mecanicamente em termos de forças
exercidas pela matéria contígua. Um grande rival em capacidade matemática de Descartes
era Fermat, mas este não era um matemático profissional. Fermat estudou direito
em Toulouse, onde serviu no parlamento local, primeiro como advogado, mais
tarde como conselheiro. Isso significava que era um homem ocupado. No entanto,
parece ter tido tempo para dedicar à literatura clássica, inclusive ciência e
matemática, por prazer. O resultado foi que em 1629 ele começou a fazer
descobertas de importância capital em matemática. Nesse ano, ele começou a
praticar um dos esportes favoritos do tempo – a “restauração” de obras perdidas
da antiguidade com base em informação encontrada nos tratados clássicos
preservados. Fermat se propôs a reconstruir o Lugares Planos de
Apolônio, baseado em alusões contidas na Coleção de Papus. Um subproduto
desse esforço foi a descoberta, não mais tarde que 1636, do princípio
fundamental da geometria analítica. As contribuições de Fermat à geometria
analítica e à análise infinitesimal foram apenas dois dos aspectos de sua obra
– e provavelmente não seus tópicos favoritos. Fermat usou seu método para
provar que nenhum cubo é soma de dois cubos – isto é, que não existem inteiros
positivos x, y, z tais que . Indo além, Fermat enunciou a proposição
geral que para n um número inteiro maior que dois não há valores
inteiros positivos x, y, z tais que . Escreveu, na margem de seu
exemplar do Diofante de Bachet, que tinha uma prova verdadeiramente maravilhosa
desse célebre teorema, que a partir daí se tornou conhecido como “último” ou
“grande” teorema de Fermat. Fermat, infelizmente, não deu prova, descrevendo-a
apenas como tal que “essa margem é demasiado estreita para contê-la”. Desargues
foi profeta de geometria projetiva, mas não foi reconhecido em seu tempo, em
grande parte porque seu discípulo mais promissor, Blaise Pascal, abandonou a
matemática pela teologia. Aos quatorze anos Blaise, com seu pai, participou das
reuniões informais da Academia de Mersenne em Paris. Aí ele veio a conhecer as
ideias de Desargues; dois anos depois, em 1640, o jovem Pascal, publicou um Essay
pour les coniques. Consistia de uma só página impressa – mas uma das mais
importantes da história. Continha a proposição, descrita pelo autor como mysterium
hexagrammicum, que a partir daí foi chamada teorema de Pascal. Este diz, em
essência, que os lados opostos de um hexágono inscrito numa cônica se cortam em
três pontos colineares. Pascal não enunciou o teorema assim, pois não é
verdadeiro a não ser que, como no caso de um hexágono regular inscrito num
círculo, se recorra aos pontos e retas ideais da geometria projetiva.
UM PERÍODO DE TRANSIÇÃO
Com
a morte de Desargues em 1661, de Pascal em 1662 e de Fermat em 1665,
encerrou-se um grande período da matemática francesa. Então, o matemático de
maior relevância, então, na França passa a ser Philippe de Lahire (1640 -
1718), um discípulo de Desargues e, como seu mestre, um arquiteto. A geometria
pura evidentemente o atraía, e sua primeira obra sobre cônicas em 1673 era
sintética, mas ele não rompeu com a onda analítica do futuro. Em 1685 Lahire
voltou a métodos sintéticos num livro com o simples título Sectiones
conicae. Esse poderia ser descrito como uma versão por Lahire de As
cônicas de Apolônio traduzida para o latim a partir da linguagem francesa
de Desargues. As propriedades harmônicas do quadrângulo completo, pólos e
polares, tangentes e normais, e diâmetros conjugados estão entre os tópicos
familiares tratados de um ponto de vista projetivo.
NEWTON E LEIBNIZ
Isaac Newton, o sucessor de Barrow, nasceu
prematuramente no dia de Natal de 1642, o ano da morte de Galileu. O menino foi
educado pela avó enquanto frequentava a escola da vizinhança. Um tio do lado
materno, que se formara em Cambridge, percebeu no sobrinho um talento
matemático incomum e convenceu a mãe de Isaac a matriculá-lo em Cambridge. O
jovem Newton então ingressou no Trinity College em 1661, provavelmente sem
pensar em vir a ser um matemático, pois não estudou particularmente o assunto.
A química pareceu a princípio ser seu principal interesse, e ele conservou um
forte interesse por essa disciplina durante a sua vida. Porém no início de seu
primeiro ano de estudos ele comprou e estudou um exemplar de Euclides, e logo
depois leu a Clavis de Oughtred, a Geometria a Renato Descartes de
Schooten, a Óptica de Kepler, as obras de Viète, e o que talvez o que
tenha sido o mais importante de todos para ele, Arithmetica infinitorum de
Wallis. Também veio a conhecer obras de Galileu, Fermat, Huygens e outros. Em
1664 Newton parece ter atingido as fronteiras do conhecimento matemático e
estava pronto para fazer suas contribuições. Suas primeiras descobertas, já de
1665, resultaram do conhecimento que obteve em exprimir funções em termos de
séries infinitas ― o mesmo que Gregory estava fazendo na Itália pela mesma
época, embora dificilmente Newton pudesse saber disso. O período que se estende
de 1665 a 1666, logo depois de Newton ter obtido seu grau A. B., o Trinity
College foi fechado por causa da peste, e Newton se retirou deste cenário para
sua casa. O resultado foi o mais produtivo período de descoberta matemática
jamais referido, pois foi durante esses meses, Newton mais tarde afirmou, que
fizera quatro de suas principais descobertas: 1) o teorema binomial, 2) o
cálculo, 3) a lei da gravitação e 4) a natureza das cores.
Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716) nasceu em
Leipzig. Lá, aos quinze anos entrou na universidade e aos dezessete obteve o
grau de bacharel. Estudou teologia, direito, filosofia e matemática na
universidade e é, muitas vezes, considerado o último sábio a conseguir o
conhecimento universal. Aos vinte, ele estava preparado para o grau de doutor
em direito, mas esse lhe foi recusado por causa de sua pouca idade. Deixou
então Leipzig e obteve seu doutorado na Universidade de Altdorf em Nüremberg,
onde lhe foi oferecido um posto de professor de direito, que ele recusou.
Entrou no serviço diplomático, primeiro para o eleitor de Mainz, depois para a
família de Brunswick, e finalmente para os hanoverianos, a quem serviu durante
quarenta anos. De seus estudos sobre séries infinitas e o triângulo harmônico
Leibniz se voltou para a leitura das obras de Pascal sobre a ciclóide e outros
aspectos da análise infinitesimal. Em particular, foi ao ler a carta de Amos
Dettonville sobre Traité des sinus du quart de cercle que Leibniz diz
ter uma luz jorrado sobre ele. Percebeu então, em 1673, que a determinação da
tangente a uma curva dependia da razão das diferenças das ordenadas e
das abscissas, quando essas se tornavam infinitamente pequenas, e que as
quadraturas dependiam da soma dos retângulos infinitamente finos que formam a
área. O primeiro tratado de Newton a ser publicado foi Principia, mas
foi o último na ordem de composição. A fama lhe tinha vindo relativamente cedo,
pois fora eleito para a Royal Society em 1672, quatro anos antes de ter
construído seu telescópio refletor (a idéia desse tinha ocorrido também a
Gregory antes ainda). Os Principia obtiveram aprovação entusiástica, e
em 1689 Newton foi eleito para representar Cambridge no Parlamento Britânico. A
teologia e a cronologia também lhe chamaram a atenção. Parece que era um
cripto-Unitário, embora externamente professando a visão religiosa Trinitária
do tempo. Em seus últimos anos as honrarias choveram sobre Newton.
A ERA BERNOULLI
As descobertas de um grande matemático, como Newton,
não se tornam automaticamente parte da tradição matemática. Podem ficar
perdidas para o mundo a menos que outros cientistas as compreendam e se
interessem suficientemente para encará-las de vários pontos de vista, esclarecê-las
e generalizá-las, indicando suas implicações. Newton, infelizmente, era
demasiadamente sensível e não se comunicava livremente, por isso o método dos
fluxos não era bem conhecido fora da Inglaterra. Leibniz, por outro lado,
encontrou discípulos dedicados que estavam ansiosos por aprender o cálculo
diferencial e integral e transmitir este conhecimento a outros. Na primeira
linha desses entusiastas, estavam dois irmãos suíços, Jacques Bernoulli (1654 –
1705) e Jean Bernoulli (1667 – 1748), frequentemente conhecidos pela forma
anglicizada de seus nomes, James e John (ou pelos equivalentes alemães, Jakob e
Johann). O pai dos famosos irmãos Bernoulli, Nicolaus (1623 – 1708) tinha
planos bem definidos para o futuro de seus filhos, e tinha posto obstáculos a
tornarem-se matemáticos. Jacques, o mais velho, tinha sido destinado a ser
ministro religioso, e Jean deveria tornar-se comerciante ou médico.
O mais moço, na verdade escreveu sua dissertação
para doutorado em 1690 sobre efervescência e fermentação. Mas no ano seguinte
ficou tão interessado pelo Cálculo que durante 1691 – 1692 ele escreveu dois
pequenos livros didáticos sobre cálculo diferencial e integral, embora nenhum
dos dois fosse publicado senão muito mais tarde. Enquanto se encontrava em
Paris em 1692 ele ensinou a um jovem marquês francês, G. F. A. de L’ Hospital
(1661 – 1704) a nova disciplina leibziana; e Jean Bernoulli assinou um pacto
pelo qual, a troco de um salário regular, ele concordava em enviar a L’Hospital
suas descobertas matemáticas, para serem usadas como o marquês o desejasse. O
resultado foi que uma das importantes contribuições de Bernoulli, datada em
1694. A partir daí passou a ser conhecida como regra de L’ Hospital sobre
formas indeterminadas.
A
IDADE DE EULER
Na
Antiguidade, a Grécia sobrepujava todos os outros povos em desenvolvimento
matemático: durante boa parte da Idade Média o nível da matemática no mundo
árabe era mais alto que no resto. Do Renascimento ao século dezoito o centro da
atividade matemática se deslocou repetidamente ― Da Alemanha para a Itália para
a França para a Holanda para a Inglaterra. Se as perseguições religiosas não
tivessem obrigado os Bernoulli a deixar Antuérpia, a Bélgica poderia ter tido
sua vez, mas a família emigrou para Basiléia e, em conseqüência disso, a Suíça
foi a terra natal de muitas das principais figuras da matemática do início do
século dezoito. O pai de Euler era um ministro religioso que, como o pai de
Jacques Bernoulli, esperava que seu filho seguisse o seu caminho. Porém o jovem
estudou com Jean Bernoulli e se associou com seus filhos, Nicolaus e Daniel, e
por meio deles descobriu sua vocação. O pai de Leonhard Euler também tinha
conhecimentos de matemática, tendo sido aluno de Jacques Bernoulli, e ajudou a
instruir seu filho nos rudimentos do assunto, apesar de sua esperança era a de
que Leonhard seguiria a carreira teológica. De qualquer modo o jovem recebeu
instrução ampla, pois ao estudo da matemática somou teologia, medicina,
astronomia, física e línguas orientais.
Euler cedo conquistou reputação internacional; já
antes de sair de Basiléia tinha recebido menção honrosa da Acadèmie de Paris
por um ensaio de mastros de navio. Mais tarde ele apresentou ensaios em
concursos organizados pela Acadèmie, e doze vezes ganhou o cobiçado prêmio
bienal. Os tópicos variavam amplamente e, em uma ocasião, em 1724, Euler
partilhou com Maclaurin e Daniel Bernoulli um prêmio para ensaio sobre marés.
Euler nunca sofreu de falso orgulho e escreveu obras em todos os níveis,
inclusive material para livros didáticos para uso nas escolas russas.
Geralmente escrevia em latim, algumas vezes em francês, embora o alemão fosse
sua língua nativa. D’Alembert partilhava com Euler o interesse por muitos
aspectos da matemática, especialmente em análise e matemática aplicada, mas
numa direção Euler deu grandes contribuições sem rivalidades da parte de
D’Alembert. Isso foi na teoria dos números, assunto que tem atraído fortemente
muitos dos maiores matemáticos, tais com Fermat e Euler, mas não interessou a
outros, inclusive Newton e d’Alembert. Euler não publicou tratado sobre o
assunto, mas escreveu cartas e artigos sobre vários aspectos da teoria dos
números.
A
IDADE DAS REVOLUÇÕES
O século dezoito representou um grande desafio: como
poderia qualquer período que seguisse o “Século do Gênio” e precedesse a “Idade
Áurea” da matemática ser considerado outra coisa senão um interlúdio? A
geometria analítica e o cálculo foram inventados no século dezessete,já o
surgimento do rigor matemático e o florescimento da geometria estão associados
ao dezenove. Existem histórias da matemática dos séculos dezesseis e dezessete
e para o século dezenove; mas não existe uma comparável para o século dezoito,
nem é para o século dezoito que olhamos quando queremos observar as tendências
significativas na matemática.
Para os americanos a data 1776 foi decisiva; na
França o ano de 1789 foi crucial. E Era da Revolução não se confinou à
política. A Revolução Industrial mudou toda a estrutura social do Ocidente, e a
revolução termótica dos mesmos anos lançou os fundamentos da moderna química.
Toda era se inclina a pensar em si mesma como sendo de revolução ― um período
de tremendas modificações. Quase toda essa era de rápidas mudanças foi
precedida por um longo período em que foram feitos os preparativos para a
revolução, às vezes, até mesmo inconscientemente. Entre os arautos da Revolução
Francesa estavam Voltaire, Rousseau e d’Alembert e Diderot ― nenhum dos quais
viveu bastante para ver a queda da Bastilha (Voltaire e Rousseau morreram em
1778, d’Alembert em 1783 e Diderot um ano depois) ― e seu colega Condorcet, foi
vítima do holocausto que ajudou a gerar. Na matemática seis homens iriam
indicar os novos caminhos ― Monge, Lagrange, Laplace, Legendre, Carnot e
Condorcet. Laplace, de todos os membros do sexteto, é o que chega mais perto de
ser um matemático aplicado, mas, mesmo no caso dele, devemos interpretar a
designação em sentido muito lato. Afinal, quão “prática” era naqueles dias a
teoria das probabilidades ou a mecânica celeste? Podemos concluir com segurança
que, apesar de terem estudado em escolas predominantemente técnicas, as grandes
figuras da matemática logo antes da Revolução tinham mostrado notável “pureza”
de interesses.
O TEMPO DE GAUSS E CAUCHY
Carl Friedrich Gauss (1777 – 1855), diferentemente
dos homens que discutimos no capítulo precedente, foi menino prodígio. Seu pai
era um artesão de Brunswich, correto, mas autocrático, que morreu pouco antes
de Gauss completar trinta e um anos. Sua mãe viveu mais trinta e um anos e
morou com Carl Friedrich e sua família a maior parte desse tempo. Gauss, em
criança, se divertia com cálculos matemáticos: uma anedota referente a seus
começos na escola é característica. Um dia, para ocupar a classe, o professor
mandou que os alunos somassem todos os números de um a cem, com instruções para
que cada um colocasse sua ardósia sobre a mesa logo que completasse a tarefa.
Quase imediatamente, Gauss colocou sua ardósia sobre a mesa dizendo. “Aí está!”
Seus mestres logo levaram o talento de Gauss à atenção do Duque de Brunswick
que apoiou seus estudos, primeiro para que pudesse cursar o colégio local,
depois na Universidade em Göttingen, onde se matriculou em outubro de 1795.
Ainda estudante em Göttingen, Gauss começou a trabalhar numa importante
publicação em teoria dos números. Dois anos depois de sua dissertação de
doutoramento, as Disquisitiones arithmeticae constituem um dos grandes
clássicos da literatura matemática.
Foi a astronomia e não a teoria dos números que
trouxe fama imediata para o autor de vinte e quatro anos das Disquisitiones
arithmeticae. Em 10 de janeiro de 1801, Giuseppe Piazzi (1746 – 1826),
diretor do observatório de Palermo, tinha descoberto o novo planeta menor
(asteróide) Ceres; mas poucas semanas depois o pequeno corpo celeste se perdeu
das vistas. Gauss percebeu que tinha uma habilidade computacional inusitada,
bem como a vantagem a mais do método dos quadrados mínimos. Enfrentou o desafio
de calcular, a partir das poucas observações registradas do planeta, a órbita
em que se movia. O resultado foi um estrondoso sucesso, o planeta sendo
redescoberto no fim do ano quase na posição indicada por seus cálculos. O
cálculo de órbita de Gauss atraiu a atenção dos astrônomos internacionalmente e
logo o levou à proeminência entre cientistas matemáticos alemães, a maioria dos
quais se dedicava a atividades astronômicas e geodésicas nessa época. A estrela
da década de 1820 – 30, porém, foi um homem nascido no ano da revolução, quando
Fourier tinha 21 anos. Augustin-Louis Cauchy (1789 – 1857) filho de pais
instruídos, estudou na École Polytechnique, em que ingressou em 1805 e na Écola
des Ponts et Chaussées, em que se matriculou em 1807. Trabalhou como engenheiro
até 1813, quando voltou a Paris. Já tinha então resolvido vários problemas de
interesse matemático. Estes incluíam a determinação de um poliedro convexo por
suas faces, a expressão de um número como soma de números n-gonais, e um
estudo de determinantes.
GEOMETRIA
Dentre todas as vertentes da matemática, a geometria
tem sido a mais sujeito a mudanças de gosto, de uma época para outra. Na Grécia
clássica, subiu ao zênite, para cair ao nadir ao tempo da queda de Roma. Tinha
recuperado parte do terreno perdido na Arábia e na Europa da Renascença. No
século dezessete esteve no limiar de uma nova era, mas novamente foi esquecida,
ao menos pelos pesquisadores em matemática, por mais dois séculos, permanecendo
à sombra dos ramos prolíficos da nova análise. A Inglaterra, especialmente
durante o fim do século dezoito, travara uma batalha perdida para devolver a Os
elementos de Euclides, sua posição outrora gloriosa, mas pouco fizera para
desenvolver a pesquisa no assunto. Através dos esforços de Monge e Carnot houve
alguns sintomas de reavivamento da geometria pura durante o período da
Revolução Francesa, mas a redescoberta quase explosiva da geometria como um
ramo vivo da matemática veio principalmente no início do século dezenove.
ANÁLISE
Newton e Leibniz tinham entendido que a análise, o
estudo de processos infinitos, tratava de grandezas contínuas, tais como
comprimentos, áreas, velocidades e acelerações; ao passo que a teoria dos
números claramente tem como seu domínio o conjunto discreto dos números naturais.
No entanto, vimos que Bolzano tentou dar provas puramente aritméticas de
proposições, tais como o teorema da locação na álgebra elementar, que pareciam
depender de propriedades de funções contínuas; e Plücker tinha aritmetizado
completamente a geometria analítica. O século dezenove foi de fato um período
de correlação na matemática. A interpretação geométrica da análise e da álgebra
foi um aspecto desta tendência; já a introdução de técnicas analíticas na
teoria dos números foi outra. Pelo fim do século a corrente, mais forte era a
da aritmetização, pois afetava a álgebra, a geometria e a análise. Dois jovens
em Göttingen seriam profundamente influenciados por Dirichlet, embora
diferissem grandemente em personalidade e orientação matemática. Um foi Richard
Dedekind (1831 – 1916). O outro Bernhard Riemann já tivera a influência de
Dirichlet e Jacobi alguns anos antes, quando passou alguns semestres como
estudante em Berlim. Quando Dirichlet morreu inesperadamente em 1859, e foi
Riemann que lhe sucedeu.
ÁLGEBRA
A álgebra do século dezenove tem duas
características que parecem criar em entre si uma contraposição. Uma é uma
tendência crescente de generalizar e abstrair; a outra é uma concentração em
expressões sujeitas a restrições mais cuidadosamente definidas que as
consideradas em séculos precedentes. Esta aparente contraposição se relaciona
diretamente com a mudança na espécie de questões que os algebristas do século
dezenove levantaram e desejaram responder. O desenvolvimento de conceitos
algébricos na Inglaterra da primeira metade do século dezenove diferia
fundamentalmente da do Continente. Abel, Galois, e outros matemáticos do
Continente desenvolveram novos conceitos, enquanto trabalhavam em problemas não
resolvidos e adaptando-os por fusão, generalização ou transferência direta aos
métodos existentes bem-sucedidos. Porém, desde o século dezessete, os
matemáticos vinham observando que nem a análise superior nem a álgebra tinham
atingido o nível de rigor da geometria. Enquanto, no continente, o sucesso em
desenvolver técnicas obscurecia tais preocupações. Os matemáticos ingleses
permaneciam penosamente cônscios de sua incapacidade de responder aos ataques
do Bispo de Berkeley tanto à análise superior quanto à falta de princípios na
álgebra.
Em 1882 apareceram dois trabalhos que, vistos com
conhecimentos posteriores, antecipam importantes tendências do século vinte. Um
foi um profundo estudo de Leopold Kronecker sobre a teoria aritmética das
quantidades algébricas. Este difícil artigo teve grande impacto sobre os
algebristas e especialistas em teoria dos números na virada do século. O outro
trabalho foi um artigo conjunto de Dedekind e Weber sobre a teoria das
quantidades algébricas. Dedekind e Weber usaram a teoria algébrica
(desenvolvida pelo primeiro no seu tratamento de números algébricos) para
separar o trabalho de Riemann sobre teoria das funções de seu suporte
geométrico. Isto lhes permitiu definir partes de uma superfície de Riemann
algebricamente, de tal modo que podia ser considerada invariante com relação a
um corpo de funções algébricas. O tratamento puramente algébrico abriu uma
estrada totalmente nova para a geometria algébrica pós-Riemann, de fato,
revelou-se ser um dos mais promissores caminhos seguidos por pesquisadores de
século vinte.
A matemática tem sido frequentemente comparada a uma
árvore, pois cresce numa estrutura acima da terra que se espalha e ramifica
sempre mais, ao passo que ao mesmo tempo suas raízes cada vez mais se
aprofundam e alargam, em busca de fundamentos sólidos. Esse duplo crescimento
foi especialmente característico do desenvolvimento da análise no século
dezenove, pois a rápida expansão da teoria das funções fora acompanhada pela
rigorosa aritmetização do campo, desde Bolzano até Weierstrass. Na álgebra, o
século dezenove foi o mais notável por desenvolvimentos novos que por atenção
aos fundamentos. Os esforços de Peacock para construir uma base sólida eram
fracos, se comparados com a precisão de Bolzano na análise. Durante os últimos
anos do século, porém, houve vários esforços para fornecer raízes mais sólidas
à álgebra. O sistema dos números complexos é definido em termos dos números
reais, que são exibidos como classes de números racionais, que por sua vez são
pares ordenados de inteiros; mas o que são afinal os inteiros? Todos pensam
saber, por exemplo, o que é o número três ― até tentarem defini-lo ― e a ideia
da igualdade de inteiros é tomada como óbvia.
POINCARÉ E HILBERT
Ao fim do século dezenove era claro que não só o
conteúdo da matemática mas seu enquadramento institucional e interpessoal
tinham mudado radicalmente, desde o começo do século. Além da multiplicação de
períodos e departamentos acadêmicos de matemática durante o século, e da
tradicional comunicação individual entre matemáticos de diferentes países, a
troca de ideias matemáticas foi grandemente estimulada pelo estabelecimento de
sociedades matemáticas nacionais e encontros internacionais de matemáticos. A
London Mathematical Society, fundada em 1865, e a Société Mathématique de
France, estabelecida em 1872, abriram o caminho. Na década de 1880 – 90 vieram
a Edinburgh Mathematical Society que logo foi rebatizada American Mathematical
Society na Escócia, o Circolo Matematico di Palermo na Itália e a New York
Mathematical Society que logo foi rebatizada American Mathematical Society.
Seguiu-se a Deustche Mathematiker-Vereinigung em 1890. Cada um destes grupos
tinha reuniões regulares e mantinha publicações periódicas.
O aumento do número de indivíduos ocupados com a
pesquisa e ensino de matemática sugeriria que já não se pode destacar umas
poucas figuras dominantes para representar o estado da arte num dado período, e
que nenhuma pessoa poderia achar um caminho livre através da grande e
emaranhada paisagem matemática. De fato, quando Gauss morreu em 1855 pensava-se
em geral que nunca mais existiria um universalista em matemática ― alguém que
estivesse igualmente à vontade em todos os ramos, puros e aplicados. Poincaré
é, de fato, o único nome que podemos citar capaz de ter provado que essa ideia estava
errada, pois ele considerou toda a matemática como seu domínio. O caso de
Poincaré mostra que para ser um grande matemático não é necessário ter
facilidade com números, pois há outros aspectos mais relevantes do talento
matemático inato. Poincaré nasceu em Nancy, cidade que iria abrigar bom número
de grandes matemáticos no século vinte. A família conquistou proeminência de
várias maneiras; seu primo Raymond foi presidente da França durante a Primeira
Grande Guerra. A tese de doutoramento de Poincaré fora sobre equações
diferenciais (não métodos de resolução, mas teoremas de existência), que
levaram a uma de suas mais célebres contribuições à matemática: as propriedades
das funções automorfas. Na verdade, ele foi virtualmente o fundador da teoria
dessas funções.
ASPECTOS DO SÉCULO VINTE
A matemática do século vinte foi, essencialmente,
caracterizada por tendências que já eram perceptíveis no fim do século
dezenove. A ênfase nas estruturas subjacentes comuns, que indicam
correspondências entre áreas da matemática, que tinham sido consideradas não
relacionadas até então, é uma teoria que pode configurar essa tendência. Também
se inclui aí a interação crescente entre matemáticos em diferentes partes do
mundo. Apesar de grandes diferenças políticas e econômicas, a maioria dos
matemáticos do século vinte teve melhor percepção do trabalho de seus colegas
em outros continentes de que seus precursores tiveram de resultados obtidos por
alguém numa província vizinha. Este século não é menos imune a modas e ao domínio
de certas escolas matemáticas que períodos anteriores. Influem o estado da
pesquisa numa dada área bem como a força de alguns indivíduos, mas há também
fatores externos como o desenvolvimento de campos associados, como a física,
estatística e ciência da computação, ou pressões econômicas e sociais que
usualmente servem para apoiar aplicações. O alto grau de abstração formal que
se introduziu na análise, geometria e topologia no começo do século vinte não
podia deixar de invadir a álgebra. O resultado foi um novo tipo de álgebra, às
vezes, inadequadamente descrito como “álgebra moderna”, produto em grande parte
do segundo terço do século. É de fato verdade que um processo gradual de
generalização na álgebra tinha sido desenvolvido no século dezenove, mas no
século vinte o grau de abstração deu uma virada brusca para cima. Entre seus
aspectos mais notáveis, a matemática contemporânea apresenta um ressurgimento
da geometria, ainda que em vestes modernas, e progresso na decisão de numerosos
problemas famosos, indo da conjetura de Poincaré (para dimensão 4) à
classificação de grupos finitos.
Ao aproximar-se o fim do século, as atitudes com
relação ao futuro da matemática não exibem nem o pessimismo dos pensadores do
fim do século dezoito (diziam que a maior parte dos grandes problemas estava
resolvida), nem o otimismo de Hilbert ao fim do século dezenove. Dizia que
todos os problemas podiam ser resolvidos. A história parece apoiar a reflexão
de André Weil, que emergiu de um período ainda mais sombrio: “O grande
matemático do futuro, como o do passado, fugirá do caminho muito palmilhado. É
por rapprochements inesperados, a que nossa imaginação não saberia como
chegar, que ele resolverá, dando-lhes outra forma, os grandes problemas que lhe
legaremos”. Olhando para o futuro, Weil confia ainda em outra coisa: “No
futuro, como no passado, as grandes ideias devem ser ideias simplificadoras”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário