EGITO
A Idade da Pedra - um longo período que precede o
uso de metais - não teve um fim abrupto. Os períodos de transição que daí
sucede surgem civilizações caracterizadas pelo uso de metais. Esses povos se
situaram primeiro em vales de rios, como os do Egito, Mesopotâmia, Índia e
China. Da Mesopotâmia, onde o barro era abundante, marcas em forma de cunhas
eram feitas com um estilete sobre tabletes moles que depois eram cozidas
(cuneiforme cerca de 4.000 anos).
A notação hieroglífica, escritos egípcios, foi
decifrada pela descoberta de uma expedição de Napoleão, por volta de 1.799. A
partir de uma grande peça achada em Rosetta, antigo porto de Alexandrina,
descobriu-se uma mensagem que continha três escritas: grega, demótica e
hieroglífica. Como conheciam o idioma grego, fizeram rápido progresso na
decifração dos hieróglifos egípcios. Os egípcios começaram cedo a se interessar
pela astronomia e observaram que as inundações do Nilo eram separadas por 365
dias (estrela Sirius se levantava a leste logo antes do sol).Desta observação,
surge, pois, o calendário solar. Nele, são estabelecidos 12 meses de 30 dias e
mais cinco dias de festas. No que diz respeito às operações matemáticas,
pode-se afirmar que a operação aritmética fundamental no Egito era a adição.
Já, nossas operações de multiplicação e divisão eram efetuadas no tempo de
Ahmes (Papiro de Ahmes) por duplações sucessivas. A solução de problemas
algébricos de Ahmes não é a de livros modernos. Este tipo de resolução
apresenta como característica um processo conhecido como “método de falsa
posição” em que a incógnita é chamada de “aha”.
MESOPOTÂMIA
As civilizações antigas da Mesopotâmia são frequentemente
chamadas babilônicas. Contudo, é importante definirmos que a cidade de
Babilônia não foi o princípio, como também nem foi, em períodos posteriores, o
centro da cultura associada com os dois rios (2000 anos até aproximados 600
a.C.).
Há uma abundância de material relativo à matemática
na Mesopotâmia. Tais registros viabilizaram que a eficácia da computação tenha
sido resultado não somente de seu sistema de numeração, mas que os matemáticos
mesopotâmios também tenham sido hábeis no desenvolver processos algoritmos. Seu
sistema era basicamente sexagesimal, mais provável, porém que a base sessenta
fosse adotada conscientemente e legalizada no interesse da metrologia. Uma
grandeza de sessenta unidades pode ser facilmente subdividida em metades, terços,
quartos, quintos, sextos, décimos, doze avos, vigésimos e trigésimos,
fornecendo assim dez possíveis subdivisões. São evidentes muitas deficiências
da matemática pré-helênica. Os papiros e tabletas encontrados contêm apenas
casos específicos e problemas, sem formulações gerais. Um estudo posterior é um
pouco confortante, pois as centenas de problemas de tipos semelhantes em
tabletas cuneiformes parecem ser exercícios que os escolares deviam resolver de
acordo com certos métodos ou regras aceitas. Naturalmente muito da matemática
pré-helênica era prática, mas certamente nem toda. Na resolução de cálculos,
que se estendeu por um par de milênios, as escolas de escribas usaram muito
material de exercícios, frequentemente, talvez, como puro divertimento.
A
JÔNIA E OS PITAGÓRICOS
A atividade intelectual das civilizações potâmicas
no Egito e Mesopotâmia tinha perdido sua verve bem antes da era cristã; mas
quando a cultura nos vales dos rios estava declinando e o bronze cedendo lugar
ao ferro na fabricação de armas, vigorosas culturas novas estavam surgindo ao
longo de todo o litoral do Mediterrâneo. Os estudiosos egípcios e babilônios continuaram a produzir textos
em papiro e cuneiforme durante muitos séculos após 800 a.C. Enquanto isso, uma nova civilização se preparava rapidamente para assumir a hegemonia
cultural, não só na região mediterrânea mas, finalmente, também nos principais
vales fluviais. Os primeiros Jogos Olímpicos se realizaram em
776 a.C. Este período marca a presença de uma maravilhosa literatura grega,
evidenciada pelas obras de Homero e Hesíodo. Contudo, da matemática grega da
época nada sabemos. Também Tales e Pitágoras são figuras imprecisas
historicamente. Mas o que fizeram deve ser reconstruído com base numa tradição,
não muito digna de confiança, que se formou em torno desses dois matemáticos
antigos. Certas frases-chave lhes são atribuídas, tais como “Conhece a ti
mesmo” no caso de Tales e “Tudo é número”, de Pitágoras, mas nada mais
específico. O que se sabe de Tales de Mileto é muito pouco. Seu nascimento e
sua morte são datados com base no fato de que o eclipse de 585 a.C.
Tales era considerado um homem de rara inteligência
(o primeiro dos Sete Sábios), era considerado um “discípulo dos egípcios e
caldeus” e frequentemente saudado com o primeiro matemático verdadeiro –
originador da organização dedutiva da geometria.
Pitágoras de Gamos é uma figura pouco menos
discutida que Tales. Pitágoras era um profeta e um místico, nascido em Gamos,
não longe de Mileto. Durante suas peregrinações ele evidentemente absorveu não
só informação matemática e astronômica como também muitas ideias religiosas.
Pitágoras, aliás, praticamente foi contemporâneo de Buda, Confúcio e Lao-Tse.
Ao retornar ao mundo grego, Pitágoras fixou-se em
Crotona na costa sudeste do que agora é Itália, mas era então chamada Magna
Grécia. Lá ele fundou uma sociedade secreta, com base matemáticas e filosóficas
cujo símbolo da sociedade era o pentagrama e seu lema era “Tudo é número”.Se a
tradição merece confiança, os pitagóricos não só fizeram da aritmética um ramo,
a filosofia; parecem ter feito dela uma base para a unificação de todos os
aspectos do mundo que os rodeava.
A IDADE HERÓICA
Durante a segunda metade do quinto século antes de
Cristo, circularam relatos persistentes e consistentes acerca de vários
matemáticos que estavam intensamente preocupados com problemas que formaram a
base da maior parte dos desenvolvimentos posteriores na geometria. Por isso
chamaremos esse período de “Idade Heróica da Matemática”, uma vez que
raramente, antes ou depois, homens com tão poucos recursos se dedicaram a
problemas de tal significado matemático. É neste momento em que a atividade
matemática já não se fixava mais em duas regiões, mas sim ao longo de todo
Mediterrâneo. Anágoras de Clazomenae foi preso em Atenas por impiedade, ao
assegurar que o Sol não era uma divindade, mas uma grande pedra incandescente,
grande como todo Peloponeso e que a Lua era uma terra habitada que emprestava
do Sol a sua luz. Além disso, tem-se que o principal legado matemático da Idade
Heróica pode ser condensado em seis problemas: quadradura do ângulo, razão de
grandezas incomensuráveis, paradoxos do movimento e validade dos métodos
infinitesimais.
A
IDADE DE PLATÃO E ARISTÓTELES
Platão é importante na história da matemática
principalmente por seu papel como inspirador e guia de outros. É provável que a
ele se deva a distinção clara que se fez na Grécia antiga entre aritmética (no
sentido de teoria dos números) e logística (a técnica de computação). Platão
considerava a logística adequada para negociantes e guerreiros, “que precisam
aprender as artes dos números, ou não saberão dispor suas tropas”. Para ele, o
filósofo, por outro lado, deve conhecer a aritmética “porque deve subir acima
do mar das mudanças e captar seu verdadeiro ser”. Além disso, diz Platão em A
República, “a aritmética tem um efeito muito grande de elevar a mente,
compelindo-a a raciocinar sobre número abstrato”. Os pensamentos de Platão
sobre o número eram muito elevados, contudo, muitas vezes parecem se aproximar
do misticismo e a evidente fantasia. Assim como Platão via na aritmética uma
clara separação entre os aspectos teóricos e computacionais, na geometria ele
defendia a causa da matemática pura contra a visão materialista do artesão ou
técnico.
Já Aristóteles foi o homem mais erudito de todos os
tempos. Sua morte, em geral, é considerada como o marco do fim do primeiro
grande período, a Idade Helênica, na história da civilização grega. Aristóteles,
como Eudoxo, foi discípulo de Platão e, como Menaecmus, mestre de Alexandre, o
Grande. Aristóteles era antes de tudo um filósofo e biólogo, mas também estava
completamente a par das atividades dos matemáticos. Em 323 a.C. Alexandre, o
Grande, morreu subitamente e seu império de desfez. Seus generais dividiram o
território que o jovem conquistador dominava. Em Atenas, onde Aristóteles fora
considerado um estrangeiro, o filósofo verificou que se tornara impopular,
agora que seu poderoso soldado-estudante estava morto. Deixou Atenas e morreu
no ano seguinte. A nova cidade de Alexandria, fundada pelo conquistador do
mundo, agora tomou o lugar de Atenas como centro do mundo matemático. Na
história da civilização, costuma-se por isso distinguir dois períodos no mundo
grego, separados por uma linha divisória conveniente, constituída pelas mortes
quase simultâneas de Alexandre e Aristóteles. A parte mais antiga chama-se
Idade Helênica, a segunda Helenística ou Alexandrina. O primeiro século da nova
era é chamada Idade Áurea da matemática grega.
EUCLIDES DE ALEXANDRIA
A morte de Alexandre, o Grande, levou a disputas
entres os generais do exército grego. Em em 306 a.C. o controle da parte
egípcia do império estava nas mãos de Ptolomeu I, e esse governante pôde voltar
à atenção para esforços construtivos. Entre seus primeiros atos está a criação
em Alexandria de uma escola ou instituto conhecido como Museu, um grande marco
de seu tempo. Como professores, ele chamou um grupo de sábios de primeira
linha, entre eles Euclides, o autor do texto de matemática mais bem-sucedido de
todos os tempos – Os elementos (Stoichia). Os elementos estão divididos
em treze livros ou capítulos, dos quais os seis primeiros são sobre geometria
elementar. Já os três seguintes tratam sobre a teoria dos números; o Livro X é
sobre os incomensuráveis e os três últimos versam principalmente sobre
geometria no espaço. Eles não só constituem a mais antiga e importante obra
matemática grega a chegar até nós, mas o texto mais influente de todos os
tempos. Composto em 300 a.C. aproximadamente e copiado muitas vezes depois.
Cópias de Os elementos chegaram até nós também em traduções árabes, mais
tarde traduzidas para o latim no século doze, e finalmente, no século
dezesseis, em vernáculo. A primeira versão impressa de Os elementos apareceu
em Veneza, em 1482, um dos primeiros livros de matemática impressos.
Calcula-se, pois, que desde então pelo menos mil edições foram publicadas.
Talvez nenhum livro, além da Bíblia, possua tantas edições, e certamente
nenhuma obra matemática teve influência comparável à de Os elementos de
Euclides.
ARQUIMEDES DE SIRACUSA
Durante toda a Idade Helenística, o centro da
atividade matemática permaneceu em Alexandria, mas o maior matemático desse
tempo – e toda antiguidade – não nasceu nessa cidade. É possível que Arquimedes
tenha estudado por algum tempo em Alexandria com os estudantes de Euclides, e
manteve comunicação com os matemáticos de lá, mas viveu e morreu em Siracusa.
Durante a Segunda Guerra Púnica, a cidade de Siracusa se viu envolvida na luta
entre Roma e Cartago. Tendo-se associado a essa última, a cidade foi sitiada
pelos romanos durante os anos de 214 a.C. a 212 a.C. Durante o cerco,
Arquimedes inventou engenhosas máquinas de guerra para conservar o inimigo à
distância: catapultas para lançar pedras; cordas, polias e ganchos para
levantar e espatifar os navios romanos; invenções para queimar os navios. Por
fim, no entanto, Siracusa caiu. Durante o saque da cidade Arquimedes foi morto
por um soldado romano, apesar das ordens para que o geômetra fosse poupado.
APOLÔNIO DE PERGA
Aproximadamente
durante o primeiro século da Idade Helenística, três matemáticos se destacaram
com relação aos demais da época, assim como da maior parte de seus
predecessores e sucessores. Esses homens foram Euclides, Arquimedes e Apolônio.
É por causa deles que o período de cerca de 300 a 200 a.C. foi denominado
“Idade Áurea” da matemática grega. Não se podem conhecer as datas precisas de
sua vida, mas diz-se que viveu durante os reinos de Ptolomeu Euergetes e de
Ptolomeu Filopater. Alguns relatos afirmam que ele foi o tesoureiro-geral de Ptolomeu
Filadelfo e dizem ainda que era vinte e cinco a quarenta anos mais jovem que
Arquimedes.
Apolônio escreveu uma obra (agora perdida) chamada Resultado
Rápido que parece ter tratado de processos rápidos de calcular. Temos os
títulos de muitas obras perdidas, entre eles: Como dividir uma razão; Cortar
uma área; Sobre secção determinada; Tangências (ou Contatos);
Inclinações e Lugares Planos. Seis das obras de Apolônio estavam
incluídas junto com dois dos tratados mais avançados (hoje perdidos) de Euclides,
numa coleção chamada “Tesouro da análise”. O “Tesouro” consistiu em grande
parte de obras de Apolônio, consequentemente deve ter incluído muito do que
hoje chamamos geometria analítica. Foi com razão que Apolônio, não Euclides,
mereceu dos antigos o nome de “o Grande Geômetra”.
TRIGONOMETRIA E MENSURAÇÃO NA GRÉCIA
A trigonometria, como os outros ramos da matemática,
não foi obra de um só homem ou nação. Teoremas sobre as razões entre lados de
triângulos semelhantes tinham sido conhecidos e usados pelos antigos egípcios e
babilônios. No período-helênico, dada a falta do conceito de medida de ângulo,
tal estudo seria melhor chamado “trilaterometria”, ou medida de polígonos de
três lados (triláteros), do que “trigonometria”, a medida de partes de um triângulo.
As propriedades das cordas, como medidas de ângulos centrais os inscritos em
círculos, eram conhecidas dos gregos do tempo de Hipócrates. É possível que
Eudoxo tenha usado razões e medidas de ângulos para determinar o tamanho da
Terra e as distâncias relativas do Sol e da Lua. Nas obras de Euclides, não há
trigonometria no sentido estrito da palavra, mas há teoremas equivalentes a
leis ou fórmulas trigonométricas específicas. O teorema de Arquimedes sobre a
corda quebrada pode facilmente ser traduzido em linguagem trigonométrica em
fórmulas para senos de somas e diferença de ângulos.
Cada vez mais, os astrônomos da Idade Alexandrina –
notadamente Erastótenes de Cirene (por volta de 276 – 194 a.C.) e Aristarco de
Samos (por volta de 310 – 230 a.C.) tratavam problemas que indicavam a
necessidade de relações mais sistematizadas entre ângulos e cordas. Os gregos,
e depois deles os hindus e os árabes, usaram linhas trigonométricas.
Essas, a princípio, tiveram a forma de cordas num círculo e coube a Ptolomeu
associar valores numéricos (ou aproximações) às cordas. Para isso duas
convenções eram necessárias: 1) algum esquema para subdividir a circunferência
de um círculo e 2) alguma regra para subdividir o diâmetro. A divisão de uma
circunferência em 360 graus parece ter estado em uso na Grécia desde os dias de
Hiparco, embora não se saiba bem como a convenção surgiu. Não é improvável que
a medida de 360 graus tenha sido tomada da astronomia, onde o zodíaco fora
dividido em doze “signos” ou 36 “decanatos”. Nosso sistema comum de medida de
ângulos pode derivar dessa correspondência. Sem dúvida, foi o sistema
sexagesimal que levou Ptolomeu a subdividir o diâmetro de seu círculo
trigonométrico em 120 partes. Cada uma delas, ele subdividiu de novo em
sessenta minutos e cada minuto de comprimento em sessenta segundos. Tendo
fixado seu sistema de medidas, Ptolomeu estava pronto para calcular as cordas
dos ângulos dentro do sistema.
RESSURGIMENTO E DECLÍNIO DA MATEMÁTICA
GREGA
A matemática no mundo grego cobriu um intervalo de
tempo indo pelo menos de 600 a.C. a 600 d.C. e viajou da Jônia à ponta da
Itália e Atenas, a Alexandria e a outras partes do mundo civilizado. Heron e
Ptolomeu eram gregos, mas viviam num mundo dominado politicamente por Roma. A
morte de Arquimedes pela mão de um soldado romano pode ter sido acidental, mas
foi verdadeiramente premonitória. Durante toda a sua longa história, a Roma
antiga pouco contribuiu para a ciência e a filosofia e menos ainda para a
matemática. Projetos notáveis de engenharia e monumentos arquitetônicos se
relacionavam com os aspectos mais simples da ciência, mas os construtores
romanos se satisfaziam com técnicas práticas elementares que requeriam muito
pouco conhecimento de grande massa de pensamento grego. Afirma-se, às vezes,
que obras notáveis de engenharia, como as pirâmides do Egito, e os aquedutos
romanos, implicam um alto grau de realização matemática, mas a evidência
histórica não apoia essa ideia. Assim como a matemática egípcia antiga era de
nível inferior à babilônica, do mesmo período, também, a matemática romana era
de nível muito inferior à da Grécia durante os mesmos anos. Faltava aos romanos
o interesse pela matemática, de modo que seus melhores esforços, como o de
Vitruvius, por exemplo, não se comparavam aos mais fracos resultados surgidos
na Grécia.
CHINA E ÍNDIA
As
civilizações da China a da Índia são muito mais antigas que as da Grécia e
Roma, porém não mais que as dos vales do Nilo e Mesopotâmia. Remontam à Idade
Potâmica, enquanto que as culturas da Grécia e de Roma eram da Idade Talássica.
Algumas afirmações quanto a terem os chineses feito
observações astronômicas importantes, ou descrito os doze signos de zodíaco,
pelo décimo quinto milênio a.C. são certamente infundadas. Contudo, a tradição
coloca o primeiro império chinês em 2750 a.C. aproximadamente. Outras
avaliações mais modestas colocam essas civilizações primitivas por volta do ano
100 a.C. Datar os documentos matemáticos da China não é fácil, e estimativas
quanto ao Chou Pei Suang Ching, geralmente considerado o mais antigo dos
clássicos matemáticos, diferem por quase mil anos. O problema de sua data é
dificultado pelo fato de poder ser obra de vários homens em períodos
diferentes. Alguns consideram o Chou Pei como uma boa exposição da
matemática chinesa de cerca de 1200 a.C., mas outros colocam a obra no primeiro
século de nossa era. Uma data de 300 a.C. parece razoável, o que colocaria a
obra em competição com outro tratado, o Chiu Chang Suan-Shu, composto
por volta de 250 a.C. O Chou Pei indica que na China, como Heródoto
dizia do Egito, a geometria derivou da mensuração e, como na Babilônia, a
geometria chinesa era essencialmente um exercício de aritmética ou álgebra. Há,
aparentemente, indicações no Chou Pei do Teorema de Pitágoras, um
teorema que os chineses tratavam algebricamente. Nas obras chinesas, como nas
egípcias, chama à atenção a justaposição de resultados precisos e imprecisos,
primitivos e elaborados. São usadas regras corretas para as áreas de triângulos
e trapézios. A área do círculo era calculada tomando três quartos do quadrado
sobre o diâmetro ou um doze avos do quadrado da circunferência. Os chineses
gostavam especialmente de diagramas, por isso não é surpreendente que o
primeiro registro (de origem antiga mas desconhecida) de um quadrado mágico
tenha aparecido lá. O quadrado foi supostamente trazido para os homens por uma
tartaruga do Rio Lo nos dias do lendário Imperador Yii, considerado um
engenheiro hidráulico.
Se a matemática chinesa tivesse tido continuidade de
tradição, algumas das notáveis antecipações dos métodos modernos poderiam ter
modificado substancialmente o desenvolvimento da matemática. Mas a cultura
chinesa foi seriamente prejudicada por quebras abruptas. Em 213 a.C., como, por
exemplo, o imperador da China mandou queimar todos os livros de matemática.
Algumas obras evidentemente escaparam, seja pela persistência de cópias, seja
por transmissão oral e o aprendizado de fato continuou com ênfase, quanto à matemática,
em problemas de comércio e calendário. A queda do Império Romano do Ocidente
tradicionalmente é situada no ano 476. Nesse ano, nasce Aryabhata, autor de um
dos mais antigos textos matemáticos indianos. É claro, entretanto, que tinha
havido atividade matemática na Índia muito antes disso – provavelmente antes
mesmo da mística fundação de Roma em 753 a.C. A Índia, como o Egito, tinha seus
“estiradores de corda”, e as primitivas noções geométricas adquiridas em
conexão com o traçado de templos e medida e construção de altares tomaram a
forma de um corpo de conhecimentos conhecidos como os Sulvasutras ou “regras de
corda”. Sulva (ou sulba) refere-se às cordas usadas para medidas, e sutra
significa um livro de regras ou aforismos relativos a um ritual ou ciência. Mas
a dificuldade em datar as regras se liga ainda a dúvidas quanto à influência
que tiveram sobre matemáticos hindus posteriores. Mais ainda do que na China há
uma notável falta de continuidade na tradição matemática na Índia:
contribuições significativas são acontecimentos isolados separados por
intervalos sem realizações.
A HEGEMONIA ÁRABE
À época em que Brahmaguta escrevia, o Império
Sabeano da Arábia Félix tinha caído e a península passava por uma séria crise.
Era habitada principalmente por nômades do deserto, chamados beduínos que não
sabiam ler nem escrever. Entre eles, estava o profeta Maomé, nascido em Meca
cerca de 570. Durante dez anos pregou em Meca, mas em 622, perante uma
conspiração para matá-lo, aceitou um convite para ir a Medina. Dez anos depois,
estabeleceu um estado maometano, com centro em Meca, no qual os judeus e
cristãos, sendo monoteísta, recebiam proteção e liberdade de culto. Em 632,
enquanto planejava atacar o Império Bizantino, Maomé morreu em Medina. Sua
morte súbita não impediu a expansão do domínio islâmico, pois seus seguidores
invadiram territórios vizinhos com espantosa rapidez. Há uma lenda que diz que
quando o chefe das tropas vitoriosas perguntou o que devia ser feito com os
livros da biblioteca de Alexandria, foi-lhe dito que os queimasse, pois se
estivessem de acordo com o Corão, eram supérfluos, se tivessem em desacordo
eram pior que supérfluos.
O primeiro século do império muçulmano fora
destituído de realizações científicas. Esse período (cerca de 650 a 750) foi na
verdade, talvez, o nadir do desenvolvimento da matemática, pois os árabes ainda
não tinham entusiasmo intelectual, e o interesse pela cultura tinha quase
desaparecido no resto do mundo. Se não fosse o súbito despertar cultural do
Islã na segunda metade do oitavo século, certamente muito mais se teria perdido
da ciência e da matemática antigas. Foram chamados, nesse tempo, estudiosos da
Síria e Mesopotâmia a Bagdá, inclusive judeus e cristãos nestorianos, sob três
grandes patronos da cultura abássida – al-Mansur, Harum al-Rachid e al-Mamum.
Foi durante o califado de al-Mamum (809-833), no entanto, que os árabes se
entregaram totalmente à sua paixão por tradução. Diz-se que o califa teve um
sonho em que apareceu Aristóteles, e em consequência al-Mamum decidiu mandar
fazer versões árabes de todas as obras em que conseguissem deitar as mãos,
inclusive o Almgesto de Ptolomeu e uma versão completa de Os
elementos de Euclides.
A EUROPA NA IDADE MÉDIA
O
tempo e a história são, é claro, sem emendas, como o contínuo da matemática, e
qualquer subdivisão em períodos é obra do homem. Assim como um sistema de
coordenadas é útil na geometria, também a subdivisão dos acontecimentos em
períodos ou eras é conveniente para a história. Quando Justiniano em 529 fechou
as escolas filosóficas pagãs de Atenas, seus sábios se dispersaram e alguns se
estabeleceram permanentemente na Síria, Pérsia e outros lugares. No entanto,
alguns permaneceram e outros voltaram anos depois, e em consequência não houve
hiato grande na cultura grega do mundo bizantino. À lista de sábios bizantinos
devemos acrescentar Filoponus, que viveu em Alexandria no começo de sexto
século e foi o mais importante físico de sua época no mundo todo. Filoponus
questionava as leis aristotélicas do movimento e a impossibilidade do vácuo, e
sugeriu a operação de uma espécie de princípio de inércia, sob o qual corpos em
movimento continuavam a mover-se. Como Galileu mais tarde, negava que a
velocidade adquirida por um corpo em queda livre seja proporcional ao seu peso.
Filoponus não era primariamente um matemático, mas parte de sua obra, como seu
tratado sobre o astrolábio, pode ser considerada como referente à matemática
aplicada. A maior parte das contribuições bizantinas à matemática era de nível
elementar e consistia principalmente de comentários sobre os clássicos.
A matemática bizantina, muito mais do que a árabe,
era uma espécie de ação de conservação, destinada a preservar ao máximo o
legado da antiguidade, até que o Ocidente estivesse preparado para ir adiante.
RENASCIMENTO
A queda de Constantinopla em 1453 representou o
colapso do Império Bizantino, e serve como um marco cronológico conveniente na
história dos acontecimentos políticos. A importância da data para a história da
matemática, no entanto, é discutível. Afirma-se frequentemente que por essa
ocasião refugiados que escaparam para a Itália levaram manuscritos preciosos de
antigos tratados gregos, e assim puseram o mundo europeu ocidental em contato
com obras da antiguidade. É importante ressaltar que a Europa estava se
recuperando do choque físico e espiritual da peste negra, e a invenção então
recente da impressão com tipos móveis tornava possível uma difusão de obras
eruditas muito maior do que em qualquer período anterior. O primeiro livro
impresso na Europa Ocidental data de 1447, e pelo fim do século mais de 30.000
edições de várias obras estavam circulando. A matemática clássica, excetuadas
as partes mais elementares de Os elementos de Euclides, era uma disciplina
intensamente esotérica, só acessível aos que tinham grande preparo prévio.
Assim revelação dos tratados gregos nesse campo a princípio não interferiu
muito no prosseguimento da tradição medieval. Os estudos medievais latinos de
geometria elementar e teoria das proporções, bem como as contribuições árabes
às operações aritméticas e métodos algébricos, não apresentavam dificuldades
comparáveis às obras de Arquimedes e Apolônio. Os ramos mais elementares é que
iam chamar a atenção e aparecer em obras impressas. Obras novas de astronomia
invariavelmente eram acompanhadas de tabelas de funções trigonométricas. Na
Índia, onde a função seno nasceu, tinha havido pouco interesse por essa função,
exceto quanto ao seu papel nos sistemas astronômicos ou Siddhantas.
Durante cem anos depois da queda de Constantinopla as cidades da Europa
central, notadamente Viena, Cracóvia, Praga e Nüremberg foram líderes em
astronomia e matemática. A última dessas tornou-se um centro de impressão de
livros (bem como de erudição, arte e invenção) e alguns dos maiores clássicos
científicos foram publicados lá em meados do século dezesseis. A matemática
durante a Renascença tinha sido largamente aplicada – à contabilidade,
mecânica, mensuração de terras, artes, cartografia, óptica – havia numerosos
livros tratando das artes práticas. No entanto, o interesse pelas obras
clássicas da antiguidade permanecia forte. A geometria na primeira metade do
século dezesseis dependera excessivamente das propriedades elementares
ensinadas por Euclides. Werner tinha uma exceção a essa regra, mas poucos
dentre os demais tinham conhecido realmente a geometria de Arquimedes, Apolônio
e Paus. A Renascença poderia perfeitamente ter desenvolvido a geometria pura na
direção sugerida pela arte e pela perspectiva, mas não foi dada atenção a essa
possibilidade até quase exatamente a mesma época em que foi criada a geometria
algébrica.
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